Primeira parte da discografia comentada do Viper
Atualmente o grupo paulista Viper ostenta uma posição privilegiada de medalhão, na linha do tempo da história do Heavy Metal nacional. Não seria exagero afirmar que a banda ocupa no imaginário do público a mesma posição dos medalhões: Iron Maiden, Metallica, Helloween, Savatage e Blind Guardian.
Com mais de 30 anos de carreira, conquistaram o cenário underground e nacional em meados da década de oitenta, com André Matos no vocal. Quando Pit Passarel (baixo) assumiu o posto deixado por André, a banda teve uma ascensão meteórica do início da década de 90 até os anos de 95 e 96, quando caiu no ostracismo, sumindo de vez por quase 10 anos.
O Viper voltou à ativa em 2007 com o álbum “All my Life” em uma tentativa de retomar sua posição de destaque dentro do cenário nacional. Porém com um vocalista diferente e com Pit Passarell, Felipe Machado e Renato Graccia como os únicos integrantes originais.
Em 2012 uma notícia trouxe sorrisos largos para os fãs de metal, o retorno da formação clássica da banda, com André Matos assumindo os vocais e uma série de shows para comemorar os 25 anos de lançamento dos clássicos: Soldiers of Sunrise e Theater of Fate.
A alvorada dos cavaleiros da destruição
Quem diria que em plena década de oitenta, alguns vizinhos, que ainda eram meninos entre 15 e 17 anos seriam responsáveis por discos que se tornaram peças fundamentais para o crescimento do cenário heavy metal brasileiro. E fonte de influência para centenas de bandas tanto no Brasil quanto no exterior.
A demo “The Killera Sword” lançada em 1985 trouxe o nome Viper para a cena paulista, mas foi o primeiro trabalho de estúdio do “adolescente” Viper lançado em 1987, que fez os “meninos” estourarem de vez no cenário nacional. O grupo era formado por André Matos (vocal), os irmãos Ives e Pit Passarell (guitarra e baixo respectivamente), Felipe Machado (guitarra) e Cassio Audi na bateria.
O álbum “Soldiers of Sunrise”, lançado em 1987, é um marco do metal nacional. Com uma capa que faz jus aos mais tradicionais grupos da época, um cavaleiro em trajes medievais/apocalípticos, o disco é um festival de riffs e canções típicas da New Wave of British Heavy Metal (NWOBHM) com pitadas de Power Metal alemão. Estilo que estava em ascensão na época e era liderado pelas bandas: Helloween, Running Wild e Grave Digger.
Soldiers of Sunrise (1987)
Algumas das músicas se tornaram clássicos imediatos do Viper, que também eram conhecidos como Iron Maiden brasileiro ou Menudos do Metal, como ficaram apelidados, uma brincadeira entre os fãs. Fato comentado em 1989 pelo próprio André Matos no programa Matéria Prima, que foi apresentado por Serginho Groisman, atualmente apresentador do Altas Horas da Rede Globo.
É impossível não se empolgar com a faixa de abertura “Knights of Destruction”. A bateria moendo os alto falantes e os riffs dos garotos Yves e Felipe desfilam por toda a música. O baixo de Pit Passarell é ouvido nitidamente como um Steve Harris da banda. A voz do jovem André Matos, com 15 anos nessa época, soa como um profissional com anos de carreira. E o refrão da música fica na cabeça por dias.
Na segunda faixa do play “Nightmares”, o refrão com “ôooo” por si só já a tornaria um clássico do estilo. A terceira música do disco “The Whipper” conta com uma introdução bem Metal, uma voz cavernosa. Essa faixa traz a banda mais Iron Maiden do que nunca. A dupla de guitarras está afinadíssima e com solos bem encaixados.
A música “Wings of Evil” não poderia ter um título mais apropriado para uma canção heavy metal. É uma faixa clássica do metal oitentista, mas com o glamour e tom de voz portentoso de André Matos.
Passando do metal tradicional diretamente para o Speed Metal, outro gênero que se consagrou em meados dos anos 80, assim é “HR”. Uma canção rápida, onde André consegue impor outro tom de voz. Essa música poderia figurar tranquilamente em um disco do Judas Priest, Accept ou até do Running Wild.
A épica “Soldiers of Sunrise”, faixa título desse trabalho, começa de forma direta, assim como as demais músicas do disco. Com refrão forte, instrumental variando entre o Speed Metal e o Metal Tradicional. Essa faixa parece uma máquina de guerra, com diversas nuances durante sua execução. Uma verdadeira batalha campal. Imaginem como seria se misturássemos Iron Maiden, Judas Priest, Saxon e Metallica (Ride the Lightining) em uma só canção?
Após toda a sensação de batalha da música anterior, o Viper parece ter cada vez mais munição e “Signs of the Night” é um ótimo exemplo. Ritmo rápido e pesado, solos mais uma vez oportunos e a voz de André resolvendo tudo. Em seguida a sem graça “Killera” uma faixa instrumental, e tão chata como todas as instrumentais que inundaram os discos de Heavy Metal da década de 80.
Para fechar o disco e deixar uma sensação de quero MUITO MAIS a pancadaria de “Law of the Sword”, que consegue deixar algo no ar, pelo menos naquela época. Só com esse disco, os garotos do Viper conseguiram marcar com ferro e fogo seu nome na história do Heavy Metal brasileiro.
O trabalho que os adolescentes do Viper conseguiram realizar em Soldiers of Sunrise é indiscutivelmente de grande importância para o gênero musical, mesmo que a qualidade da produção do disco seja fraca e as composições sejam bem parecidas entre si. As letras do disco chegam a soar infantis com seus clichês de espadas, guerreiros e dragões. Mas nada disso tira o brilho desse trabalho.
Informações Adicionais
Soldiers of Sunrise
Ano: 1987
Gravadora: Rock Brigade
Faixas:
01. Knights of Destruction
02. Nightmares
03. The Whipper
04. Wings of the Evil
05. H.R.
06. Soldiers of Sunrise
07. Signs of the Night
08. Killera (Princess of Hell)
09. Law of the Sword
Formação:
André Matos (vocal)
Yves Passarell (baixo)
Felipe Machado (guitarra)
Pit Passarell (guitarra)
Cassio Audi (bateria)
Música erudita e produção internacional
O primeiro álbum serviu como cartão de visitas para a banda dentro do território nacional, mas ninguém esperava que dois anos depois o Viper conseguisse seu reconhecimento internacional.
Em 1989 o Brasil e o mundo se deparavam com os primórdios de um novo conceito dentro do Heavy Metal que começava a se rascunhar pelo mundo: o Metal Melódico. Influenciado talvez pelo lançamento dos dois volumes do Keeper of the Seven Keys do Helloween, e a voz melódica e estridente de seu novo vocalista, Michael Kiske, os álbuns foram lançados em 1987 e 1988, respectivamente. Esse novo estilo só foi se consolidar poucos anos depois com o sucesso de bandas como Gamma Ray, Angra, Heavens Gate, Stratovarius, entre outros.
No Brasil, o Viper fazia sua parte, já que lançava em 1989 seu segundo disco: “Theater of Fate”. Não há como questionar a importância desse disco para a criação de um novo conceito dentro do Heavy Metal. Esse trabalho serviu como base para que anos mais tarde André Matos acompanhado com outros músicos criasse a banda Angra, que serviu de referência para toda uma geração de bandas e fãs do Metal Melódico.
Com uma produção muito melhor do que o debut, o álbum tem todos os ingredientes que se repetiriam em praticamente 99,99% os discos de bandas que tocam Metal Melódico nos próximos 20 anos que se seguiam, ou seja:
– Introdução, seja orquestrada ou não;
– Abuso no uso de teclados ou piano;
– Instrumentos eruditos como violino;
– Músicas com cara de produções orquestrais;
– Voz aguda e falsetes na linha do André Matos e Michael Kiske
– Timbres a lá Bruce Dickinson;
– Baladas
Sorte do Helloween e do Viper, que começaram primeiro a usar esses elementos, mas na época acabou rolando algumas “fofocas” sobre quem estaria copiando quem, pois Theater of Fate foi aclamado na Europa e no Japão, tanto quanto os “Keepers” do Helloween.
Mais amadurecidos musicalmente, a produção muito boa e letras maduras foram alguns dos alicerces que mantém Theater of Fate como um dos melhores discos do metal nacional e uma referência no mundo.
O disco foi gravado em São Paulo e contou com a produção do conceituado Roy M. Rowland, o cara é uma fera e produziu discos de peso como “Terrible Certainty” (1987) do Kreator, o clássico “The Force” (1986) do Onslaught, além das bandas Sabbat e Satan. E foi engenheiro de voz de um clássico do thrash metal: “Pratice What You Preach” (1989) do Testament. Com um currículo tão rico de ótimos trabalhos não tinha como o Viper errar. O disco foi mixado na Inglaterra. E cuidando da papelada toda ninguém menos do que Antonio Pirani, o Big Boss da Revista Rock Brigade. A única mudança na formação da banda foi a saída do baterista Cassio Audi para a entrada de Guilherme Martin.
Com uma introdução cheia de lindas melodias e arranjos magníficos, “Illusions” começa de forma magistral toda a viajem sonora proporcionada pela banda. Em um crescendo suave para desencadear no Power Metal melódico de “At Least a Chance”, que mostra logo de cara toda a evolução técnica dos músicos, composições mais maduras e a voz de André Matos muito segura e potente.
Em seguida a terceira faixa “To Live Again” se tornou um clássico. O som de um teclado singelo ao fundo e as guitarras duelando são os pontos altos da canção. É a rapidinha do disco só com 3:28. Outro clássico “A Cry from the Edge”, quarta faixa do álbum é de uma profundidade e qualidade ímpares. Os acordes de violão iniciais, a guitarra delineando o início da canção até o ápice com o peso do heavy metal e a voz de André Matos chega para total catarse musical. Foi também a música escolhida para o vídeo clipe da banda.
Toda a inspiração e o momento que a banda passava foram multiplicados por 100 quando compuseram a mais famosa balada de uma banda de rock/metal do Brasil. Não tem como ficar inerte diante “Living for the Night” clássico indiscutível do grupo. Se algum dia fizermos uma coletânea de rock/metal para sintetizar o cenário nacional, não tenho dúvida que essa música estaria entre as dez primeiras.
A sexta faixa do disco “Prelude to Oblivion” é rápida e melódica de início. Tem uma introdução com algumas vozes, mas é o desenrolar da música os riffs que ganham o ouvinte. Uma jogadinha usando trechos da letra cantada por André e acompanhada por outras vozes que lembram muito o Queen.
Com pouco mais de seis minutos a faixa título “Theater of Fate” é a mais longa do disco e também segue o conceito épico/pesada usada em “Soldiers of Sunrise”. Só que infinitamente superior, a começar pelas bases de guitarra que iniciam a canção. Com vários solos e passagens pesadas a música é um grande apanhado de tudo o que foi feito no disco inteiro.
Para fechar o disco uma baladinha com direito a violinos, piano e todo um ambiente e pompa de uma Opera, onde André Matos seria o tenor. É com “Moonlight”, que o Viper fecha com maestria seu segundo disco ao som triste e melancólico proporcionado por uma última nota de piano.
A banda foi aclamada em todo o Brasil e no exterior. Quando o disco foi lançado na Europa e no Japão, o Viper conseguiu status de banda grande. No Brasil o grupo participou de diversos programas de televisão e excursionou por todo o país.
Como nem tudo são flores, o vocalista André Matos saiu da banda. Muitas teorias travestidas de fofoca surgiram na época, uma delas seria um mal estar entre os irmãos Passarell e André, já que o vocalista queria adicionar mais elementos eruditos à música do Viper, enquanto os Passarell queriam um som mais cru e pesado. Enfim, André Matos saiu do grupo e foi estudar música fora do país. E o Viper continuou.
Informações Adicionais
Theatre Of Fate
Ano: 1989
Gravadora: Rock Brigade
Faixas:
01. Illusions
02. At Least a Chance
03. To Live Again
04. A Cry From the Edge
05. Living For the Night
06. Prelude to Oblivion
07. Theatre of Fate
08. Moonlight
Formação
André Matos (vocal)
Yves Passarell (baixo)
Felipe Machado (guitarra)
Pit Passarell (guitarra)
Sergio Facci (bateria)